Ser homem e ser pai. Uma relação nada direta quando se fala em função paterna
Por Adriano de Castro Sarto – Psicólogo, para o Especial Mês dos Pais – SintonizeAqui
Em psicanálise, o pai tem um lugar importante na constituição subjetiva dos sujeitos. Em vários momentos de sua produção teórica, Sigmund Freud (1856-1939) fala da relação de pais com seus filhos, de filhos com seus pais, nem sempre de forma bem sucedida. Há também a relação dos humanos com um ideal de pai, esse que seria um garantidor onipresente. O ideal de pai se refere frequentemente a um homem, com determinadas características heroicas e benevolentes, relacionadas geralmente com um ideal de família. Mas, afinal, o que é um pai?
Utilizando da proposição do psicanalista Jacques Lacan (1901-1981), de que as funções paterna e materna na constituição subjetiva dos bebês humanos não estariam diretamente relacionadas à questão biológica de gênero de seus cuidadores, podemos pensar sobre a possibilidade da função paterna não ser exercida pelo pai biológico, mas por outro homem ou outra pessoa, mesmo que de outro gênero que não o masculino, que possa assumir a criança a partir de seu desejo e transmitir a ela valores, limites e regras da vida em sociedade, assim como introduzir a alteridade e a interdição que incide na relação simbiótica que o bebê estabelece com um dos cuidadores.
A função paterna é uma função simbólica fundamental, que dá um lugar para a criança no desejo de quem assume sua paternidade e, a partir disso, um lugar no mundo. A função do pai seria a de nomear e ordenar os objetos e as relações, qualificando e diferenciando uns dos outros. Dessa forma, se estabelecem parâmetros e referências simbólicas que oferecem limites e que se mostram essenciais para se estar no mundo.
Mas então, o que podemos pensar sobre a paternidade e o “ser pai” a partir desses pontos teóricos? Bem, podemos pensar que ser pai é antes de mais nada assumir a paternidade de alguém. Isso pode parecer óbvio, mas assumir a função paterna é um ato simbólico que implica desejo e não está necessariamente relacionado com o ato de inseminar ou procriar, ou ainda de suprir as necessidades materiais e financeiras da criança que se tem como filho/a. Oferecer meios de subsistência material é importante, mas não basta se o que se tem a oferecer for apenas isso. É preciso se implicar e sustentar o desejo mesmo diante dos desafios de se responsabilizar por alguém, que em vários momentos vai testar os limites desse lugar que ocupa no desejo desse pai. E sim, os filhos fazem isso, mesmo que não intencionalmente ou conscientemente. E esses limites e referenciais simbólicos transmitidos por quem se assume como pai é que poderão orientar um filho em seu próprio desejo, em buscá-lo para além dessa delimitação.
Os referenciais transmitidos aos filhos são como um conjunto de palavras, termos, discursos e sentidos compartilhados com o meio social, são elementos da cultura recebidos através dos cuidadores, a partir dos quais se pode encontrar um lugar nesse meio. Dentre esses aspectos de linguagem estão correntes de pensamento como o machismo, que mesmo sem percebermos faz parte das nossas conversas, também dos nossos atos e passa “de pai pra filho”. No entanto, falar em paternidade e em função paterna, nesse contexto em que a questão de gênero não está biologicamente colocada, implica em falar dos padrões de masculinidade que estão no entorno da noção de pai e de homem.
A ideia de que “homem não chora” quer dizer o quê, afinal? Que homem não sofre? Que não cria vínculos afetivos que o façam sofrer ou se importar? Se isso é verdade, qual o lugar de um/a filho/a pra esse homem? Pensemos sobre nós mesmos e então pensemos sobre como estamos criando os homens de amanhã.
Pensar sobre tais padrões e como eles permeiam as relações entre pais e filhos pode tornar o convívio mais saudável e menos opressor. Pais que reconhecem em si suas fraquezas, que se permitem errar e reparar seus erros, que conseguem lidar com suas inseguranças buscando ajuda quando necessário, que expressam seus sentimentos e buscam meios não destrutivos de lidar com eles, podem compartilhar com seus filhos mais do que exemplos de sucesso, pois é preciso aprender também com o que não dá certo. É preciso que os super-heróis sejam também de carne e osso, e que esses pais heróis se permitam ser vistos também nas fragilidades e quando há sofrimento, pois sem essas referências, crescer no mundo real pode ficar mais difícil.
Adriano de Castro Sarto
Psicólogo (CRP MG 34108)
(Página principal: Kindel Media)
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