Filho Ilustre – Parte Gilson Cezário, fica a alegria do sambista
Sábado (24). A cidade de Três Pontas foi surpreendida pela morte repentina de Gilson Cezário, um dos mais conhecidos carnavalescos do Município. Um infarto agudo fez o coração de Gilsão parar aos 67 anos. O corpo chegou ao “Rancho” por volta das 15 horas e de lá saiu na manhã seguinte para o sepultamento, no Cemitério Municipal. O cortejo foi acompanhado por uma multidão, sinal de um universo imenso de amizades conquistadas e mantidas. O também popular Paulo Augusto Tomáz, o Paulão, foi o encarregado da última homenagem, feita em nome de uma raça de origem, de cultura, de costumes sempre valorizados por Gilsão, a negra, que de tempos pra cá mostra toda sua beleza e riqueza à comunidade por meio de associações, tais como a do Grupo Afro Trespontano. Enfim, Gilsão recebeu o adeus e deve ter seguido para o encontro com outros “festeiros”, em dimensão além… Haroldinho, Jaime Abreu, Antônio Geraldo e tantos outros mais.
O nascimento foi em 21 de agosto de 1948, mas o fato ganhou a oficialidade somente em 24 de setembro do mesmo ano. Gilson nunca considerou o aniversário no dia do registro. Os pais Elvira Benedito e José Antônio Cezário viram o filho partir cedo para a grande São Paulo. Foi para trabalhar em serviços gerais, apoiado por uma dos 16 irmãos, assim que cumpriu o tempo obrigatório no Exército Brasileiro. Quando retornou à Terra Natal decidiu ser taxista. Tinha um Opala, o carro da época e guardou até o fim inúmeros documentos do ponto adquirido – alvarás, recibos…
Por aqui sempre se envolvia em eventos, especialmente bailes. Em 1983, Gilsão comprou um terreno na Rua Nossa Senhora D’Ajuda, no Centro da Cidade e começou a materializar ali o seu sonho. Com toras, sapê e uma espécie de madeirite fez o “Rancho” para abrigar animados grupos de música e oferecer à população uma opção de lazer, sobretudo a dança. E… mas deu trabalho! Situado ao lado do Estádio Municipal Ítalo Tomagnini, o Campo do TAC, inúmeras vezes Gilsão recorreu à ajuda de irmãos e vizinhos para conter o princípio de incêndio. Bastava iniciar o foguetório anunciando o jogo para todos entrarem em alerta no “Rancho do Gilsão” porque quando as faíscas caiam sobre a gramínea da cobertura era fogo na certa. Com o passar dos anos, o imóvel foi ampliado. Lá, aconteceram várias versões de concursos – Garota Verão, Beleza Negra. Depois, virou discoteca, abrigou bailes funk. Atualmente, o prédio passa por novas melhorias e nos planos de Gilson estava o empenho na promoção de entretenimento para quem curte um bom forró. Para o próximo dia 7, o Trio Pantanal já estava contratado.
Alegre, falante, criativo, mas também improvisador, “duro na queda”, Gilson puxou ao pai – ao menos no quesito amor pelos carnavais. Seu José Antônio certa vez criou o bloco Botafoguinho, uma referência à localidade onde morava, o Bairro Botafogo, vizinho ao Centro. A comunidade cresceu e se transformou no Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Samba. De cores azul e branca, a Escola desfilou por anos a fio no Grupo A, dividindo a passarela com Estudantes do Samba, Serrote e Unidos do Botafogo. Em 1979, por exemplo, o quarteto animou o reinado de momo realizado em parceria pela Prefeitura e Clube Literário Recreativo Trespontano, seguido pelo Grupo B: Unidos da Liberdade, Mocidade Alegre e Mocidade Independente do Ipiranga.
No Acadêmicos, Gilson era uma espécie de faz tudo. Presidia, mas gostava mesmo de tocar o repenique e comandar a bateria. Foram 32 anos… Antigamente, a disputa era acirrada e há quem garanta que muitas vitórias das concorrentes foram, digamos, nem sempre justas. A Escola, de passistas e instrumentistas de raça – na longa estrada só teve uma vitória, ainda assim por decisão do prefeito da época. Desanimador? Que nada! A rivalidade, a exemplo das escolas e blocos… passava. Às vezes as provocações se estendiam, mas aos poucos adormeciam. Os presidentes eram amigos. Terminava o reinado e já ia Gilson firmar parcerias com compositores, querendo um samba-enredo ainda melhor. Sonhava o tempo todo em ver a Acadêmicos brilhar. Independente de título, brilhou. João Alencar de Brito, o Caio, era um dos companheiros. Escreveu para a Acadêmicos do Samba, entre outros, “Brasil Terra da Gente” (1979), “Do Crepúsculo dos Deuses à Aurora dos Orixás” (1981) e “Negro: sonhos, ilusões e tradições” (1984). Em 2004, a Escola se despediu levando para o sambódromo “De Palestra a Cruzeiro” (Deca do Cavaco e Ricardo), homenageando o time celeste mineiro. Encerradas as atividades, Gilsão foi o mestre por dois ou três anos da bateria da Escola Estudantes do Samba, a convite.
E por falar em futebol, aí está outra paixão na vida de Gilson Cezário. Santista, ele nunca escondeu a paixão pelo “Galo”. Jogou na equipe municipal e andou por todo o Estado como árbitro da Federação Mineira de Futebol (FMF). Tem fotos com ídolos, tais como, Garrincha e Edu. Os craques vieram a Três Pontas no início dos anos 80 compondo o time “Milionários” e jogaram contra a Seleção de Três Pontas, comandada por Benito Miari. No amistoso, alusivo à Festa do Trabalhador, Gilsão foi árbitro. Ainda bem que nesta época, a cobertura do “Rancho” já era de telhas de barro… Ele não precisou correr fora do campo.
O “Rancho”, as bermudas, as camisetas, os chinelos, o chapeuzinho, os bonés, as bolsas, a bike, os discos de Zeca Pagodinho, de Bezerra da Silva, do “Samba, Suor e Ouriço – com 36 sucessos de carnaval de todos os tempos”, a bagunça organizada. Gilsão se foi, deixando tudo para trás. Deixou também sua contribuição, sobretudo, para a comunidade com a qual trabalhou uma vida inteira. Deixou uma colaboração assinada na cultura local. Deixou muita gente apelidada, mesmo que momentaneamente, “pô… ô meu, chega aí bichinho… ô meu, chega aí canivete… ô meu, chega aí pão de queijo… ô meu, chega aí strogonoff, enfim, chamava quem passava pela via com o que lhe viesse à cabeça… ninguém se esquivava, todos iam ver o que Gilsão queria. Muitas vezes nada, apenas dar um oi. Crianças, adultos, idosos, ricos, pobres, “bebuns” eram tratados da mesma maneira, com o sotaque arrasssssstado, com alegria, com simplicidade.
Sábado (24), se foi mais um sambista, um carnavalesco, um craque trespontano. “Obrigado, pai, o seu jeito de tratar as pessoas foi a maior herança que o senhor nos deixou. Obrigado por tudo que nos ensinou, obrigado por ter feito parte da nossa vida por todo esse tempo”, registra Narayan José Cezário.
Feliz é o homem que não somente passa por esta vida, mas que ajuda a construir a História. Ao seu modo, Gilsão auxiliou nesta edificação. Com certeza foi feliz, com certeza é um Filho Ilustre de Três Pontas.