Entrevista – Secretário de Saúde de TP reforça apelo para que comunidade se envolva na prevenção e contenção da Dengue
Três Pontas vive uma epidemia de Dengue. Até o momento já são 525 casos notificados, 89 confirmados, 1 morte confirmada e 1 morte sob investigação. Diante do quadro nada animador, o Secretário Municipal de Saúde, Hermógenes Vaneli, afirma que sozinha a Prefeitura não dá conta de evitar novas incidências, portanto, de conter o avanço da doença. Segundo ele, somente com ajuda da população, a Dengue poderá deixar de fazer vítimas no Município.
Entrevista
Hermógenes Vaneli – Secretário Municipal de Saúde de Três Pontas
Secretário, a Prefeitura tem ampliado as ações de combate à Dengue e convocado a população a também abraçar verdadeiramente esta causa. Por favor, seu comentário sobre a necessidade do envolvimento da população.
Não tem prefeitura no Brasil que sozinha, apenas com servidores municipais e mais especificamente com agentes de endemias, consegue debelar essa infestação de Dengue que é uma epidemia brasileira e não uma epidemia de Três Pontas. Nós temos hoje 1.300 municípios com surto grave de Dengue. Uma vez me perguntaram quantos agentes de endemias Três Pontas precisava ter para evitar que a Dengue aparecesse novamente. A resposta foi clara, 56 mil. Nós temos que transformar toda a população de Três Pontas em agente de endemias, não só no caso da Dengue, mas em todas as outras situações de agravamento que podem e devem ser combatidas diariamente.
Como eu vou conter uma epidemia de Dengue passando de residência em residência a cada dois meses, que é a meta proposta para o Município cumprir, se o mosquito tem um ciclo de reprodução de oito dias? Essa medida não é capaz de conter surto em lugar algum. Agora, o próprio morador tem condições de fazer uma inspeção porque ele conhece a residência onde mora, ele sabe os pontos de acúmulo de água. Vasos, calhas, caixas d’água, uma inocente tampinha e tantos outros se tornam local ideal para o mosquito se reproduzir. A maioria dos focos é encontrada dentro das residências e a primeira vítima é o morador.
A luta contra a Dengue não pode ser uma ação política partidária. Tem que haver envolvimento de todos. Então, a gente faz um apelo para que a população entre de fato nessa batalha. A Dengue é uma praga que está dizimando a população brasileira e nós, Prefeitura, não temos condições, apesar de todo o aparato, de debelar esta infestação, senão com o envolvimento da população.
Na sua opinião, o que falta para o cidadão entender que ele também é responsável pelo combate ao mosquito Aedes aegypti, consequentemente, à Dengue?
Olha, o brasileiro por naturalidade é acomodado. Nós temos a maior carga tributária do planeta, então, muitas pessoas atribuem a responsabilidade de tudo ao Poder Público. Esse é o erro. Eu pago imposto, mas não vou esperar o mosquito fazer a mim, minha esposa, minha filha vítimas para eu poder tomar providência. O que eu tenho que fazer é a prevenção. Eu sei onde o mosquito se encontra, então, tenho que acabar com ele. Assim, todos devem pensar e fazer.
Os agentes de endemias ainda são surpreendidos com a proliferação de mosquito da Dengue em locais, digamos, inusitados?
Mais recentemente encontramos focos da Dengue em bananeiras e em cercas de bambu. Existe um lugar onde comumente são encontradas larvas do Aedes aegypti e que as pessoas não verificam e não permitem que os agentes de endemias façam a inspeção, é a caixa de contenção da geladeira – ambiente adequado: água quente, limpa e parada. O mosquito se reproduz ali e a primeira vítima que ele faz é o morador da casa, normalmente criança, vítima mais suscetível da Dengue.
Nosso conselho é também que as pessoas usem calças compridas e sapatos fechados, já que o mosquito tem hábitos diurnos, voa a mais ou menos um metro de altura e prefere picar pernas e pés. A medida é simples e diminui a incidência de possível contaminação por Dengue.
Qual a recomendação para manter a caixa de contenção da geladeira livre do Aedes aegypti?
Pingar água sanitária nessa água acumulada na caixa evita que a larva se reproduza, mas também é importante retirar a caixa de contenção e fazer a limpeza.
Diferente do que as pessoas pensam, o mosquito não põe os ovos na água, mas nas bordas do recipiente que acumula água. Ele é esperto e sabe que se fizer a postura direto na água pode se afogar, então, prefere rente à lâmina d´água.
Daí, somente jogar a água fora não resolve. Tem que limpar o recipiente com bucha e detergente. Isso vale também para vasos de plantas e tudo mais.
Secretário, após a longa estiagem e após o decreto municipal que induziu as pessoas a economizarem água, muitos trespontanos tornaram hábito o aproveitamento, por exemplo, das chuvas. O armazenamento tem sido problema no combate à Dengue aqui em Três Pontas?
Não temos nada contra a pessoa fazer o depósito de água, até porque o armazenamento minimiza a crise hídrica que estamos passando, mas é preciso um cuidado bem simples para evitar a proliferação do mosquito da Dengue. Basta envolver o recipiente com uma rede, com uma malha bem fininha. Pronto, a fêmea não terá contato com a água e não conseguirá por os ovos.
Não adianta economizar na conta de água e ter em casa uma pessoa com Dengue, é uma troca injusta. Então temos, sim, que economizar água, mas com responsabilidade.
Nós estamos passando por uma epidemia. Algum agravante em relação à de 2010?
Sim. Em 2010, os sorotipos circulantes eram Dengue 1 e Dengue 3. A gente suspeita que a Dengue que está presente hoje no Município não é a 1 nem a 3, mas uma mutação, então Dengue 2 ou Dengue 4.
Daí a grande incidência de casos porque quem sofreu da doença em 2010, não tem imunidade se o sorotipo circulante não for o mesmo. E quem tem Dengue uma vez se torna uma pessoa em potencial para desenvolver as chamadas complicações.
Então, temos que estar muito atentos e a Secretaria Municipal de Saúde está. Estamos tentando a todo custo implantar todas as medidas preventivas, de contenção e de tratamento.
Isto significa que o Município tem como tratar todos os doentes de Dengue?
Nós já solicitamos o apoio do Estado e o Estado está aqui conosco. Já pedimos insumos para hidratação e medicação porque se tivermos um grande número de pessoas com Dengue, teremos dificuldade de tratar essa população a tempo e à hora.
Também estamos tentando uma melhor utilização do espaço físico do Hospital para que a gente amplie a capacidade para hidratação.
Todas as medidas precisam seguir um trâmite jurídico para que não tenhamos surpresas desagradáveis no futuro.
Eu volto a dizer, se a população não se envolver diariamente no combate à Dengue, a Dengue vai acometer uma boa parcela da população de Três Pontas, do Sul de Minas, do Brasil.
Como surgiu esse novo ciclo de Dengue aqui na Cidade?
Até a oitava semana epidemiológica que compreende o final de fevereiro, a situação era dentro da normalidade. Tínhamos uma quantidade ínfima de casos notificados e apenas dois casos confirmados.
Da nona semana epidemiológica, ou seja, do começo de março para cá, é que a situação se agravou. Houve o aumento das chuvas, houve o fato de que o inseto já existia, a gente faz o trabalho de prevenção – mas não é suficiente, os ovos sobrevivem sem água até 400 dias, enfim, basta uma pessoa infectada para a transmissão. A fêmea do Aedes aegypti pica essa pessoa, faz a postura e em oito dias os filhos dessa fêmea já estão adultos, voando, picando. O ciclo do mosquito é muito mais rápido do que a capacidade do Poder Público de encontrar a solução para evitar que a Dengue se espalhe por toda a Cidade.
Eu digo que hoje temos três vezes mais casos notificados do que em todo o ano de 2014.
Como o problema pode ser de fato resolvido?
As medidas tomadas pelo Poder Público são paliativas. Elas por si só não vão resolver o problema. A Dengue só será contida quando a população realmente entrar nessa guerra e, quem sabe, no futuro se tivermos uma vacina.
Essas medidas incluem o fumacê?
Olha, primeiro, digo que é uma medida muito nobre ressaltar o apoio do Estado e agradeço na pessoa do Superintendente Regional de Saúde, Tarcísio Luis de Abreu, que – de primeira – quando eu solicitei não mediu esforços para colocar esse veículo que está aqui para o fumacê e já estamos estudando a possibilidade de vinda de um segundo veículo.
Quanto ao fumacê, ao contrário do que parece, nós não podemos fazer o UBV pesado indiscriminadamente. Nós só podemos fazer o UBV pesado quando há casos notificados. Essa medida é para locais onde já existem casos notificados. O inseticida não agride só o mosquito, ele agride também o meio ambiente, então, o fumacê é uma medida de contenção de último caso. É o que se tem hoje de mais eficiente para se debelar o surto de Dengue quando ele sai do controle.
Cada caso notificado é preciso fazer o fumacê individual. Nós tínhamos um, agora temos dois equipamentos. O máximo que conseguimos fazer são dois ou três ciclos por equipamento, ou seja, nós conseguimos fazer no máximo seis UBV leve por dia. Se tivermos sete, oito casos notificados pelo menos dois ficarão sem o bloqueio. O que isso significa? Que os insetos que estão nessas áreas vão continuar se reproduzindo. É assim que se perde o controle. A Dengue veio de uma forma repentina, não esperada.
Recentemente, houve em um veículo de comunicação local certa crítica em relação à mudança feita na equipe da Dengue. Essa alteração pode ter contribuído para o aumento de casos da doença no Município?
Os agentes de endemias que estão trabalhando hoje foram devidamente treinados, foram devidamente capacitados e estão trabalhando por força de Lei. Uma Lei Federal que não cabe ao Município questionar e, sim, cumprir. Existe uma Lei que criou o piso do agente comunitário de saúde de endemias que é autoaplicável, entrou em vigor na data da publicação, então não tivemos alternativa senão fazer o processo seletivo e dar posse a quem passou no processo seletivo.
Quem está trabalhando hoje na Dengue é uma pessoa que fez o processo seletivo e foi aprovada, portanto, não é simplesmente a escolha do Secretário ou do Prefeito. Se tiveram as melhores notas têm capacidade de aprender as medidas de prevenção e contenção da Dengue.
Eu confio muito nessa equipe que está demonstrando muito boa vontade. Tenho plena convicção que a troca dos agentes não é fator fundamental para que a gente tivesse essa explosão de Dengue na Cidade.
Qual ou quais as principais dificuldades vocês encontram hoje no combate à Dengue em Três Pontas?
O horário de trabalho do agente de endemias é o mesmo horário de trabalho da maioria dos cidadãos comuns, de segunda a sexta, das 7h às 5 horas da tarde. Então, temos um problema muito grande de casas fechadas. Lamentavelmente, não dá para fazer medida de prevenção à noite. E temos também as recusas.
Nós precisamos visitar todas as residências, tratar todos os focos, eliminar todos os focos possíveis e – nos focos não possíveis de eliminação – temos que colocar o larvicida para que as larvas que vão eclodir morram antes de começar a voar e a picar, contaminando as pessoas.
Considerações finais.
Uma fêmea de Aedes aegypti infectada produz em média 200 ovos. Tirando os insetos machos que vão eclodir – e que não transmitem a Dengue – pode-se dizer tranquilamente que entre 100 e 130 fêmeas nascem infectadas e já com potencial para picar as pessoas. O ciclo de vida desse mosquito é de 30 dias. Ele vive tão pouco e faz um grande estrago, imagina se vive muito.
Eu, não como Secretário de Saúde, mas como cidadão, reforço o apelo. Precisamos do envolvimento da população para que a gente possa reverter o número de casos, acabar com essa epidemia que está assolando não só Três Pontas, mas a região como um todo. Caso contrário, poderemos ter outros óbitos em decorrência de Dengue o que será lamentável.
Então, façam a inspeção diária, rotineira e utilizem o mecanismo da denúncia. Nós precisamos saber de casas abandonadas, piscinas, lotes, terrenos sem ocupação, enfim – que estejam colocando em risco a saúde do trespontano.
Outra coisa, o lixo orgânico, os recicláveis precisam ser devidamente descartados. Se diminuirmos os criadouros, a situação será revertida. Diminuindo a população de insetos, diminuindo a incidência de novos casos vamos trazer de volta a normalidade que é o anseio do Prefeito Paulo Luis Rabello e meu como cidadão e também como Secretário, como uma pessoa que está à frente da Secretaria de Saúde que é a pasta envolvida diretamente no combate dessa endemia.