Cidadania – Vizinhos unidos transformam paisagem no Bairro Cidade Jardim em Três Pontas
Eles acordam cedo. De suas respectivas casas esticam a mangueira e cruzam a rua para executar a primeira tarefa externa do dia. A água límpida nutre tão bem as plantas que elas sobreviveram ao verão e suas altas temperaturas: cresceram, deram frutos, exibiram cores chamativas. Antepassados ensinaram, então, melhor seguir sem contestar o conselho: como o frio já começa a aportar no Sul das Gerais, aguar também é importante, desmancha o orvalho evitando que os raios de sol queimem as folhas que apresentam vários tons, sobretudo de verde, dispostos em uma paleta que se renova naturalmente.
Enquanto molham a terra e as diversas espécies ali cultivadas, os vizinhos dão boas risadas e apreciam os pássaros que se aproximam para – em refrescante banho – exaltar plumagens, como se a beleza delas dependesse exclusivamente da higiene matinal. Aos bandos e espertos que são, em seguida, se alimentam da quirela, do alpiste pelos generosos amigos humanos disponibilizados. Do alto surgem beija-flores, canários, rolinhas e até pombos (esses nem sempre recebidos “a pão de ló”, mas jamais maltratados). E sobre a grama que começa a ganhar força naquele espaço, forma-se um “tapete voador” multicolorido.
Certas manhãs, especialmente aos sábados, domingos, feriados a tarefa se estende com a capina, o rastelar e novos plantios. Pelo barranco tem flamboyant mirim e um jovem ipê, tem palmeira e coqueiro. Tem pés de ameixa, goiaba, limão, acerola, pitanga, abacate, mamão, manga, maracujá, abiu, chuchu, tomate, erva-cidreira, louro, citronela. Tem roseira, cacto e tem babosa – tudo devidamente coroado e adubado.
A manutenção por vezes exige “mão de obra especializada”, então, os vizinhos contratam um trabalhador e pagam o serviço com dinheiro do próprio bolso.
Assim, com dedicação, boa vontade e consciência cidadã esses homens vão mudando a paisagem do lugar onde moram. Antes, o barranco era coberto de um mato tão alto que encobria a visão para a rua que fica logo abaixo, hoje acesso a um condomínio de luxo em construção. Havia entulho e muito lixo – era, de fato, um local que agradava bastante a ratos, baratas, cobras e alguns outros indesejáveis “bichinhos”.
Atualmente, o espaço atrai outro público, outros olhares, de fotógrafos por exemplo, que levam seus clientes para debaixo da mais velha flamboyant mirim da turma, a vermelha, de aproximadamente oito anos, cuja sombra é verdadeiramente uma bênção.
Antes da pandemia desse tal novo Coronavírus, os vizinhos papeavam sob o conforto gerado pela pequena e bela árvore. Por algumas vezes brindaram à sombra e também à saúde, à vida, à união, ao brotar de cada espécie na paisagem simples, mas que vai se compondo rodeada de amor e respeito. Quem passa pela Rua Bonfim sente o zelo destinado ao trecho. Quem gosta sempre se aproxima para saborear uma ou outra fruta ou para tirar a “selfie” tendo as plantas como “pano de fundo”.
Recentemente, os amigos vizinhos Elcio e Lúcio tomaram uma decisão: a de ampliar o cuidado. Limparam mais um lance do barranco e deram início aos novos plantios. Claro, terão mais trabalho, mais gastos… Mas com toda certeza serão recompensados:
- com alegria diante da certeza de que agem em nome da preservação ambiental;
- com ar mais puro, frescor, perfumes, sabores;
- serão recompensados com o paisagismo que alegra aos olhos e à alma;
- com o fortalecimento dos laços de amizade;
- com a certeza de que aqueles que almejam – de uma rua a um mundo melhor – não podem esperar: têm que agir.
O começo
Em maio de 2008, uma reportagem no Jornal “Correio Trespontano” apresentava a iniciativa à sociedade. O grupo que assumia a atribuição do poder público, promovendo melhorias “na porta de entrada” do Bairro era formado por Tiago Miranda de Figueiredo e os pais Rose e Alfredo, pelo senhor Paulo Silvério Ferreira, Antônio Vitor Gonçalves, Elcio Vitor Dias e Geraldo Pinto. O exemplo foi seguido por Antônio Vitor Silva, que morava um pouco acima, na Rua Genival Clayton Neves. Várias crianças também participavam: a Vanessa, o Erik, o João Paulo e o Paulinho – por exemplo.
As populares chorãozinho e árvore escova de garrafa foram espécies ornamentais a substituir a braquiária ganhando a companhia de uma araucária. Plantas medicinais e frutíferas tinham preferência, então, foram cultivados barbatimão, laranjinha do campo, lobeira, negamina, copaíba além de laranja, limão, pitanga, uvaia, marmelo, manga, goiaba, abacate e ameixa. Muitas sobreviveram às intempéries climáticas e a “ataques humanos”, realizando o desejo da turma cidadã: substituir o lixo e as ameaças à saúde e à segurança por beleza e utilidade.
Novos elos
O tempo passou… 12 anos. Aquelas crianças cresceram. Alguns moradores se foram, deixando sua contribuição e muita saudade… Outros chegaram. Glênio Márcio Mesquita mudou-se recentemente para a Rua Bonfim e já aderiu à proposta de cuidar do espaço público. Ajudou na limpeza da extensão que já recebeu mudas; plantou um ipê, cheflera, palmeira real e, com ajuda da filha Lívia, de 11 anos, construiu tratadores e bebedouros para os pássaros. A família está entusiasmada, exatamente como permanecem os precursores Tiago, Rose e Elcio. Está tão animada quanto o vizinho Lúcio.
Com disponibilidade em servir ao bem comum, todos esses cidadãos colaboram para que o Bairro Cidade Jardim faça jus ao nome e, quem sabe, se torne um espelho para que Três Pontas fique cada dia mais bonita e saudável, crescendo em harmonia com a natureza.
Quem está à frente do projeto cidadão?
- Elcio Dias (Propague Brindes) e Maria das Graças (Dacha)
- Lúcio Vitor de Brito e Cristina
- Tiago Miranda de Figueiredo e Rose (Rodomoto)
- Glênio Mesquita, Danielle e filhos (GM Locações e Terraplanagem)
Quem contribui?
- José Moreira da Silva e Tereza: vizinhos sempre prestativos
- Sávio Martins: amigo de todas as horas
Quem já participou?
- Os saudosos João Luz Dias, Alfredo Pereira de Figueiredo, Geraldo Pinto (Dinho Flamenguista), Antônio Vitor Gonçalves, José Miranda
- Paulo Silvério Ferreira
- Antônio Vitor Silva
- César Pelegrini: ex-servidor municipal
- Duarte Antunes: residente em Jersey (Inglaterra). Sempre que vem, coloca mãos à massa
- Nemésio Afonso Tiso (Zebrinha Pneus): doação de algumas mudas
- E alguns outros cidadãos que surgem com “alguma mudinha” – sempre bem-vinda, para ajudar.
A todos: do passado e do presente, parabéns! E que o futuro gere muitos outros trespontanos assim: atuantes.
“Uma sociedade onde cada indivíduo exerce sua cidadania tende a prosperar sem apelo”. (Fagner José da Silva Gomes)